Recentemente assisti a um vídeo questionando se seria o fim dos shoppings no Brasil e sobre como o setor está se transformando. Como os fundos imobiliários (FIIs) são uma parte cada vez mais essencial do mercado imobiliário nacional, resolvi fazer um artigo falando sobre o futuro do setor, tão relevante para o mercado de fundos imobiliários.
Hoje, se pegarmos alguns dos principais fundos de shopping do IFIX, a saber HGBS11, HSML11, PMLL11, VISC11 e XPML11, eles representam 10,80% do índice, sendo o mais relevante em termos de participação o XPML11, com 4,337%. Para referência, hoje o XPML11 ocupa a terceira posição mais relevante, perdendo apenas para o KNCR11 (7,64%) e KNIP11 (5,078%). Em quarto e quinto lugar temos os fundos HGLG11 (3,889%) e BTLG11 (3,245%), ambos relevantes e conhecidos do setor logístico.

Com esses números, é razoável mencionar que os shoppings ocupam, sim, posição relevante não apenas no índice, em termos objetivos, mas também um lugar importante no imaginário do brasileiro. Afinal, é razoável supor que o brasileiro tem, há muitos anos, o shopping como um local de experiências e lazer.
Essa suposição também pode ser traduzida em números. Na pesquisa “O comportamento dos frequentadores de Shopping Center”, da ABRASCE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SHOPPING CENTERS, temos que 31% das pessoas que vão ao shopping vão com motivação de lazer, 21% vão para alimentação e 5% para serviços. Assim, os 43% que, segundo a pesquisa, vão para realizar compras, já são minoria quando comparados às outras motivações somadas. Além disso, shoppings são conexão: segundo a mesma pesquisa, 92% estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o shopping. Interessante, não?
Antes de seguirmos para o tema em si do artigo, mais algumas informações relevantes, que também serão importantes para as reflexões que faremos hoje: 24% escolhem o shopping pela localização e 22% escolhem pelo mix de lojas. Assim, já podemos estabelecer um primeiro ponto bastante importante: muitos dos principais shoppings brasileiros estão próximos ou inseridos nos centros urbanos, diferentemente do mercado norte-americano, com forte presença de outlets, mais distantes desses centros.
Entrando no tema do artigo, podemos separar alguns argumentos daqueles que podem questionar se os dias dos shoppings brasileiros estão contados, a saber:
- economia nacional e situação financeira das famílias,
- evoluções do e-commerce.
Vamos ao primeiro ponto.
Economia nacional e situação financeira das famílias
Na pesquisa “O setor de shopping centers no Brasil”, de 2024, também da ABRASCE, temos os seguintes dados principais:
- em 2024 houve alta de 2,9% no número de visitantes, totalizando 476 milhões de visitas mensais, além de crescimento na geração de empregos,
- 648 shoppings em operação, sendo 329 deles na região Sudeste,
- 42% dos shoppings em capitais,
- aumento de vendas de +1,9%, com faturamento passando de R$ 194,7 bilhões em 2023 para R$ 198,4 bilhões em 2024.
Mesmo com essa perspectiva positiva, qual então é a crítica?
A principal crítica é que os números operacionais, ainda que positivos, não foram suficientes para compensar a inflação, que foi de 7,21% em 2024, segundo a Agência Brasil. Além disso, com juros tão altos e taxa Selic em 15%, o consumo das famílias é naturalmente prejudicado.
Acredito que não seja novidade para ninguém o endividamento do brasileiro. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC, a proporção de famílias com contas a vencer cresceu de 76,1% em janeiro para 76,4% em fevereiro de 2025. Em 2024 o número era ainda maior, alcançando 77,9%.
Ainda pior, segundo estudo da rede Assaí Atacadista, em função de apostas ligadas ao setor de esportes, houve redução no faturamento da rede, já que as classes C, D e E têm redirecionado o consumo de itens essenciais, como alimentos, para realizar apostas. Não é surpresa que o governo tenha tido de agir para impedir que beneficiários do programa Bolsa Família apostem em jogos de esporte.
Os brasileiros não possuem as ferramentas para tomar boas decisões financeiras e isso não é apenas um problema de shoppings, mas um problema estrutural do Brasil.
Não vou apenas mencionar que esse é um problema estrutural e não apenas do setor de shoppings. Uma inflação elevada e juros altos prejudicam não somente esse setor, mas o país inteiro, em todas as suas dimensões, ainda mais no longo prazo. Ora, se em cenário tão desafiador os shoppings ainda apresentam crescimento, é válido supor que isso mostra a forte resiliência do setor.
Ainda, existe a diversificação dos perfis dos shoppings e também a característica sazonal deste setor. Explico: shoppings de classe mais alta, classes A e B, sofrem menos flutuações, já que essas classes possuem mais ferramentas para se proteger das (infelizmente) comuns crises brasileiras. Em relação às classes C e D, shoppings que atendem esse público provavelmente se beneficiam de forma mais intensa de períodos festivos como o Natal, Dia das Mães, entre outros.
Evolução do e-commerce
Por fim, sobre a evolução do e-commerce, é inegável sua influência. Atualmente, fica claro ao estudar os relatórios gerenciais dos fundos imobiliários de galpões logísticos que os principais inquilinos são grandes varejistas, muitos deles com forte presença no mercado digital.
Entretanto, como demonstramos no início do artigo, vemos uma tendência de tratar os shoppings como centros de experiência e não apenas locais de compras. Além disso, itens como vestuário ainda são muitas vezes adquiridos presencialmente. Segundo a mencionada pesquisa sobre o comportamento dos consumidores, 58% costumam comprar calçados e 54% costumam comprar vestuário. Faz sentido, já que são produtos que normalmente demandam prova física.
A localização também faz diferença. Diferentemente dos “Dead Malls” americanos, shoppings com baixo tráfego de consumidores, muitos shoppings brasileiros são localizados em regiões próximas ou inseridas aos centros urbanos, o que favorece que sejam utilizados, por exemplo, para serviços.
No Brasil, assim como muitas agências bancárias (que, em função do internet banking, têm sido utilizadas para outros fins), os shoppings, ao que parece, estão se transformando.
Hoje é notório que serviços como academias, que vêm crescendo no país devido à maior importância dada ao cuidado com a saúde, estão sendo implementados em shoppings centers. Isso, somado a serviços de cuidados femininos, espaços de trabalho, entre outros.
A localização diz tudo. Não apenas nos setores de galpões logísticos e escritórios, mas também no setor de shoppings. A reflexão é que a localização será essencial na manutenção e evolução do setor. Não é todo shopping que será rentável e os bons shoppings serão cada vez mais rentáveis, enquanto muitos outros que não se adaptarem podem, sim, virar Dead Malls.
Assim como a localização é essencial nos imóveis, para o cotista de fundos imobiliários escolher uma boa gestão do seu FII é o que vai gerar segurança e resultados positivos.
Considerações finais
Diante de tudo o que foi apresentado, é difícil sustentar a tese de que estamos diante do fim dos shoppings no Brasil. Pelo contrário, mesmo com inflação elevada, juros altos, endividamento das famílias e o avanço do e-commerce, os dados mostram que o setor segue resiliente, adaptável e cada vez mais integrado ao cotidiano urbano. Os shoppings brasileiros continuam se consolidando como centros de convivência, serviços e experiências, reforçando um modelo que vai além do varejo tradicional. Claro, isso não significa que todo shopping será um bom investimento. A diferença entre um ativo resiliente e um candidato a “Dead Mall” passa, principalmente, pela localização e pela capacidade de adaptação do empreendimento. Para o investidor de fundos imobiliários, a reflexão final é simples: assim como no mercado imobiliário físico, a qualidade da gestão e a capacidade de leitura do cenário são fatores decisivos para navegar bem por esse setor tão relevante.